14 julho, 2006

O golpe de estado da social-democracia

A democracia brasileira sentirá, nas eleições deste ano, o peso de um sutil e vigoroso golpe engendrado cautelosamente nos subterrâneos da social-democracia: a cláusula de barreira. Artifício político capiciosamente estudado e astutamente posto em prática, sob o revestimento de um elixir desburocratizante, a cláusula de exclusão, como também é chamada, promete criar, no Brasil, um oligopólio político potencialmente tão funesto quanto poderoso, e deixar o campo livre para que os grandes partidos dêem, mais do que nunca, as cartas na vida política nacional.

Ao impedir que qualquer partido que não alcance 5% dos votos válidos para a Câmara Federal, tenha representação parlamentar, participação no fundo de financiamento partidário e acesso ao rádio e à televisão, essa verdadeira guilhotina eleitoral vai fazer rolar muitas cabeças. Se as tendências das eleições de 2002 se repetirem este ano, apenas sete partidos conseguirão salvar seus pescoços: PT, PFL, PMDB, PSDB, PP, PSB e PDT.

O mais curioso é que quase todos esses partidos, embora guardem entre si algumas diferenças e muitas vezes briguem pelo poder como rivais inconciliáveis, representam hoje no país praticamente a mesma visão político-ideológica: a social-democracia. E se essa ideologia já tinha uma predominância incontestável no Congresso Nacional e no cenário político em geral, a Lei 9096/95, que instituiu a cláusula de exclusão, vai conferir-lhe poderes absolutos. Quer golpe maior na democracia? Que fique claro que este que escreve nada tem contra a social-democracia, enquanto os seus supostos defensores não atentarem contra o sufixo da ideologia que defendem.

O fato é que essa pérfida investida contra a democracia vai eliminar prováveis pedras no caminho legislativo dos grandes partidos, que acusam os pequenos de impor dificuldades para as negociações e de se valerem de barganhas fisiológicas. Como se o fisiologismo não mostrasse suas garras em todos os partidos!

O golpe da social-democracia provavelmente facilitará a convergência nas decisões do Congresso e assegurará sólidas maiorias na votação de algumas medidas. Mas isto a um custo bastante alto: a deslegitimação da vontade soberana de milhões de brasileiros que, em seus respectivos estados, têm o direito absoluto e inalienável de escolher os seus representantes, independente de estes pertencerem a um partido gigante ou a um partido de tamanho médio. Sim, porque os que mais estão no alvo da cláusula de barreira são os partidos de porte médio: não se pode, a rigor, chamar o PSOL, o PC do B, o PL, o PTB, o PPS e o PV de pequenos. Precisamente porque eles não são pequenos é que nasce o desejo de eliminá-los, de afastá-los do caminho, de anulá-los politicamente, de suprimir as suas forças e revogar sua representatividade. Infelizmente, com isso, elimina-se, suprime-se e revoga-se também uma boa parte daquele bem social tão precioso a que se costuma chamar democracia.